quinta-feira, 16 de abril de 2009

Animação e música

O estranho caso da Grande Valsa Brilhante de Chopin, apropriada pela dublagem brasileira do Pernalonga e outros curtas-metragens de animação da Warner Brothers

As trilhas musicais dos filmes do Pernalonga e outras animações produzidas pela Warner eram sempre diferentes e foram compostas, até 1958, por Carl Stalling. Ele trabalhava bastante com citações de nomes consagrados como Chopin e Wagner, mesclando-as com referências modernas e suas próprias criações, como conta o livro "Tunes for Toons: music and the Hollywood Cartoon", de Daniel Goldmark.

Mas quando víamos e ouvíamos as animações do coelho abusado nas emissoras brasileiras de televisão, a música era quase sempre igual, uma mixagem de vários temas clássicos, iniciada pela dinâmica valsa número 1, opus 18, de Chopin, conhecida como Grande Valsa Brilhante. Por muito tempo se pensou no Brasil que essa seria a trilha original dos filmes da Warner, mas hoje o mistério da música invariável parece ter encontrado uma solução.

As cópias dessas animações chegavam no Brasil sem separação de canais entre voz, ruídos e música, pois eram produzidos sem muitas preocupações em relação à dublagem nos países estrangeiros. Nessas condições, o estúdio Cinecastro, responsável no Brasil pelas dublagens de TV dos pequenos filmes da Warner nas décadas de 1960 e 70, teria que contratar uma orquestra para executar cada trilha original de Stalling, pois não podia contar com as gravações originais. Somente depois de regravar as peças musicais seria possível mixá-las com a dublagem e a sonoplastia produzidas por aqui.

O estúdio decidiu então que não iria investir na trilha musical, mas apenas na dublagem de voz. Para que o conjunto não ficasse sem música, os técnicos de som produziram uma mixagem-padrão de temas clássicos, tida como jocosa, que estaria seguindo a linha das composições de Stalling. Como ela era aberta por uma versão orquestrada da Grande Valsa Brilhante, esta acabou se tornando um tema onipresente nessas primeiras dublagens, pois muitas vezes a peça mixada era cortada por causa brevidade da maioria das cenas, deixando na trilha apenas a valsa inicial.

Quem não se recorda do tema pode ouvir na rede a versão original para piano, a primeira composta por Chopin para este instrumento. O pianista brasileiro conhecido como Vinheteiro, que tocou a peça abaixo, chamou o seu vídeo de "Bugs Bunny Soundtrack" (Bugs Bunny é o nome original do personagem Pernalonga), provavelmente enganado pela dublagem cinecastrista:




Ainda é possível encontrar na rede alguns filmes do Pernalonga com a dublagem da Cinecastro, como este, que foi gravado sem a abertura:




Abaixo temos um exemplo onde a valsa de Chopin foi inserida várias vezes na remixagem, trata-se de uma curiosa paródia dos filmes educativos, parte da série Merrie Melodies, também produzida pela Warner. Nos créditos iniciais pode ser lido o nome de Carl W. Stalling na parte inferior da tela. A denominação do estúdio responsável pela "versão brasileira" é falada na locução inicial, como era de praxe:




Essa trilha musical exclusiva das "versões brasileiras" foi reiterada ad infinitum em centenas de cartoons. O verbete sobre o Pernalonga na Wikipédia indicou que essa versão da valsa de Chopin teria sido apropriada de animações dos personagens Tom e Jerry, produzidos pelo estúdio americano MGM, já que a Cinecastro também dublava os filmes do gato e o rato. Essa hipótese parece ser verdadeira, como se pode ouvir no filme The Flying Cat, onde o compositor americano Scott Bradley, diretor musical das animações da Metro, trabalhou com variações sobre a Grande Valsa Brilhante, em um arranjo muito semelhante ao das dublagens dos filmes da Warner.




A valsa pode ser ouvida quando Tom consegue planar, tornando-se a marca sonora do insólito "gato voador", o que a permitiu musicar também a tentativa de Jerry em imitá-lo para o incrédulo amigo canário. O uso do tema musical no compasso ternário das valsas acentua a irrealidade da situação, mas também o seu caráter idílico.

Quando Carl Stalling começou a trabalhar na Warner, em 1936, chegou com uma bagagem considerável. Desde jovem trabalhou com música de cinema, acompanhando os filmes silenciosos nas salas com seu piano. No início do cinema sonoro ele concebeu, juntamente com Walt Disney, a série Silly Simphonies e outras animações do início da carreira do criador do rato orelhudo.

Talvez por isso Stalling tenha sido considerado um mestre do "mickey-mousing", como são chamadas as trilhas onde a sincronia entre as ações dos personagens e a música é quase absoluta (quando um personagem anda na ponta dos pés, por exemplo, a peça musical pontua cada passo com notas de curta duração, em staccato). O estilo do compositor fez com que o aloprado diretor Chuck Jones, responsável por algumas das mais impagáveis animações do Pernalonga (e também de Tom e Jerry) reclamasse que ele às vezes abusava dos clichês sonoros. Daniel Goldmark o considera como o "mais habilidoso e engenhoso compositor de músicas para cartoons" e que teria sido ele quem concebeu o que entendemos como trilha musical para estes filmes.

Mas o fato é que Stalling contou com a renomada orquestra da Warner para se tornar um dos mais produtivos compositores da história do cinema. Ele foi o responsável, juntamente com o arranjador Milt Franklyn (que o substituiu após a sua aposentadoria na Warner), por compor praticamente uma peça inteira por semana nos vinte e dois anos em que foi diretor musical das animações do estúdio americano.

As dublagens vocais e musicais da Cinecastro nos privaram de conhecer boa parte dessa produção (mais tarde o estúdio conseguiu realizar dublagens que preservavam a maior parte da versão original, mas algumas emissoras continuaram a exibir os filmes com música remixada). Sobre isso é possível argumentar que as trilhas americanas também trabalhavam com citações e paródias, como a música de The Flying Cat ou as próprias composições de Stalling, e que a Cinecastro foi pressionada por restrições técnicas e orçamentárias, em um contexto de produção bem mais precário do que aquele dos Estados Unidos.

Mas não podemos deixar de pensar nesse caso como um exemplo de como podemos constatar, por contraste, que a trilha sonora era mais valorizada como elemento constituinte do audiovisual nos estúdios norte-americanos. O que certamente contribuiu bastante para manter o fascínio que essas produções exercem mundialmente até hoje.

A Warner está produzindo novas dublagens para todas as versões brasileiras de suas animações clássicas, que respeitam a trilha original. De qualquer modo, é inegável que, para os brasileiros nascidos nos últimos cinquenta anos, essa pequena valsa de Chopin tem som de infância.

2 comentários:

  1. Saberia me dizer ou conhece algum lugar que diz quais são as outras músicas que tocavam com a Grande Valsa Brilhante? Abs

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  2. Também tenho essa curiosidade. Quais eram as outras mùsicas???

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